Desde que vendeu as ações do Banrisul, o governo Yeda quer dar ao patrimônio dos gaúchos um perfil de banco privado. Tanto que a meta da instituição, agora, é "fazer com que as ações sejam mais negociadas, porque quanto mais negociadas, mais liquidez terão", como revela o diretor financeiro e de relações com os investidores do Banrisul, Ricardo Hingel, em entrevista ao Jornal do Comércio.
O Banrisul está preocupado em ter uma boa relação com investidores e de buscar novos acionistas, além de dar mais liquidez as ações. Enquanto dá atenção total ao perfil privado que quer imprimir ao banco, a direção do Banrisul segue desrespeitando seus funcionários. Depois de ignorar por mais um ano a necessidade de negociar a pauta específica da categoria – a exemplo do que fazem a Caixa e o Banco do Brasil – o banco frustrou completamente a tentativa de diálogo com a categoria junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/RS) realizada no dia 10
O pedido de mediação foi a única forma encontrada pelo movimento sindical para levar a demanda dos trabalhadores à diretoria do Banrisul.
Só que, mesmo com a interferência da SRTE/RS, o banco manteve sua posição defensiva e não aceitou nenhuma contrapartida do movimento sindical. Os pontos apresentados pelos trabalhadores, que incluem o Projeto Verão, o não desconto dos dias parados, avaliação negativa, suspensão de transferência e cancelamento de férias sofrida por grevistas, não tiveram qualquer tipo de avanço.
O banco foi para a reunião com posição fechada de aceitar apenas a posição da Fenaban e em nenhum momento reconheceu a prática de discriminação aos grevistas.
O SindBancários saiu da mediação com a mesma posição que levou a entidade ao encontro: houve, sim, uma política deliberada, por parte do banco, de discriminação dos grevistas. O sindicato entende que faltou bom senso do Banrisul em administrar certas situações.
O movimento sindical continuará em campanha permanente em defesa dos direitos dos trabalhadores do Banrisul, entre eles a implantação de novo cargo carreira, isonomia para os afastados por motivo de saúde e em defesa do banco que é patrimônio dos gaúchos.
Confira a entrevista concedida ao Jornal do Comércio, publicada nesta segunda-feira, 29:
A condição de diretor financeiro e de relações com os investidores do Banrisul dá ao economista Ricardo Hingel a possibilidade de conhecer e interpretar a crise financeira de maneira privilegiada. Nos últimos meses, ele percorreu os Estados Unidos e países europeus em reuniões com investidores, além de encontros no Brasil e inúmeras conferências por telefone e prestação de informações por e-mail.
É nesses momentos que Hingel explica porque a turbulência internacional tem menor impacto nos negócios do banco estatal gaúcho do que em outros do mesmo porte e ouve interpretações de gestores de grandes fundos de investimento sobre o cenário global.
A peregrinação empreendida por Hingel – e também por outros executivos do Banrisul – faz parte de uma nova estratégia do banco: ser mais conhecido e, com isso, atrair maior valor e liquidez às ações negociadas desde julho de 2007 na BM&FBovespa. Na função desde março de 2003, o economista, graduado há quase 30 anos pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é funcionário do Banrisul desde antes da sua formatura e coordenou o IPO no ano passado.
JC – Qual o objetivo das reuniões que o Banrisul tem realizado com investidores?
Ricardo Hingel – O banco fez o road-show e vendeu suas ações em 2007. Hoje, 43% das ações do banco encontram-se no mercado, sendo que o Estado detém a quase totalidade das ações ordinárias e um pedaço das preferenciais. Agora, o que temos que fazer?
Aumentar o giro das ações do banco. Então, a estratégia é fazer com que elas sejam mais negociadas, porque quanto mais negociadas, mais liquidez terão. Dessa forma, valerão mais porque elas têm liquidez. Não adianta ter uma ação de empresa muito boa, mas que não seja negociada no mercado.
A maioria dos investidores não conhece o Banrisul, não se interessa por comprar e isso acaba derrubando preços. É interessante que toda vez que alguém queira vender, tenha alguém interessado em comprar.
Quando nós vendemos as ações, 88% foram compradas por investidores estrangeiros. Fomos fazendo um trabalho para diversificar muito focado no mercado nacional, que é mais pulverizado, mas acaba sendo o investidor que fica transacionando. Com isso, esses 88% caíram para 74% e isso está ajudando muito a aumentar a média diária de negociação, que está próxima de R$ 7 milhões. O trabalho hoje é muito focado em buscar novos investidores porque ele irá virar acionista.
JC – Qual o principal diferencial do Banrisul que é apresentado aos investidores?
Hingel – Nós estamos batendo de frente com uma crise que começa lá fora e que atinge aqui dentro. A crise tem uma palavra-chave que é liquidez. Tanto lá fora quanto aqui, todos devem saber diferenciar as empresas e, principalmente, os bancos. Uma das linhas que estamos explicando é que no sistema bancário brasileiro o problema se deu nos bancos médios, mas esclarecemos que o Banrisul não foi atingido nisso porque o problema não é, necessariamente, de bancos médios, mas principalmente de bancos sem rede de agências.
O Banrisul, por deter uma rede de agências, tem uma vantagem extremamente interessante em um momento de crise porque tem uma fonte estável de captação e não é afetado por problemas de liquidez. Boa parte dos bancos médios depende de um conjunto de fontes de captação, mas não tem rede de agências.
Nenhum banco com rede foi afetado pela crise, já que se utiliza de investidores institucionais apenas para complementar sua estratégia de caixa. O que conta mesmo é o cliente de varejo, pulverizado. Os grandes bancos brasileiros têm rede de varejo. O Banrisul, em função dos compulsórios que foram liberados pelo Banco Central, foi ainda mais beneficiado. Tínhamos perto de R$ 6 bilhões de caixa livre e hoje temos quase R$ 8 bilhões.
Em um momento em que deve-se mostrar que tem liquidez, o Banrisul também tem índice Basiléia entre os mais altos do mercado, de 17,7%. Isso mostra que a carteira de crédito do banco pode crescer mais R$ 10 bilhões – ela hoje está em R$ 11,4 bilhões. Tenho condições de crescer e caixa para sustentar o crescimento.
JC – Mas qual é o peso que a crise pode ter neste crescimento?
Hingel – O Banrisul depende, assim como os demais, das condições do cenário econômico.
Nós entendemos que o banco pode continuar crescendo mais do que os demais porque não tem financiamento de veículos na sua carteira, o que em algum dos principais bancos representa entre 25% e 30% do total das carteiras.
Em função da desaceleração da economia e dos problemas do mercado, o crescimento dos financiamentos de veículos deve ficar muito próximo a zero. Então, quem tem financiamento de veículos tem uma parte muito significativa da carteira que deve crescer próxima de zero, ou seja, puxa o crescimento para baixo.
O Banrisul não fica sensibilizado para uma desaceleração tanto em veículos como nos demais bens de consumo, nos quais também não é focado. A tendência do banco é crescer um pouco mais do que o mercado, já que alguns segmentos que puxaram esses grandes bancos vão desacelerar.
JC – A busca por acionistas locais deixa o banco menos refém da saída de capital estrangeiro em situações de crise, como aconteceu agora?
Hingel – O comportamento do investidor estrangeiro também tem suas peculiaridades. Quando fomos à Europa, em novembro, incluímos uma visita ao fundo de investimentos Skamgen, da Noruega, que vinha adquirindo posições importantes no banco em meio à crise. Quando algum estrangeiro saiu, ele comprou. Visitamos vários investidores que saíram do banco com a idéia de entender porque eles deixaram a posição. O que acontece muito com esses fundos é que, por política, reduzem a posição em países emergentes em momentos de crise.
Não é nada contra os fundamentos do banco. Continuamos na alça de mira e quando a crise financeira melhorar e eles entenderem o reflexo nas economias emergentes poderão retornar. Temos que lembrar que economia emergente é emergente, não é desenvolvida. Em momentos de crise, aumenta a aversão ao risco e os emergentes pagam a conta.
Por melhor que seja o fundamento da economia do País ou da empresa, quando dá esse problema de uma crise internacional e especialmente focada em liquidez, o capital sai dos emergentes. Como o Brasil tinha uma boa situação e uma boa liquidez, eles já tinham ganhado bastante e, mesmo com o mercado caindo, iriam perder menos. Mas existe aquele outro tipo de investidor que olha o fundamento e está focado no longo prazo.
Ele vê que a bolsa caiu bastante, um conjunto de empresas no Brasil está muito barato e ele quer comprar para carregar, como esse fundo de investimentos norueguês que tem 5,5 bilhões de euros de patrimônio sob sua gestão. Quando viajei, no início de novembro, eles tinham 11%; chegamos na reunião e já tinham 13% e, na metade de dezembro, estavam com 16%. A crise neste momento nos ajuda a ser bem entendidos.
Quando você expõe às instituições a uma situação mais desfavorável, vê até que ponto elas são fortes. Então, quando a crise se dá na ponta de liquidez, que é a capacidade de captar recursos, aí põe a prova todos eles (os bancos). Os chamados middle banking estão tendo que ajustar suas posições em termos de estratégia de expansão pela sua capacidade de captar. Nós continuamos extremamente sólidos, com o caixa gordo e nos beneficiando dessa condição.
JC – O que os investidores têm relatado sobre a crise?
Hingel – Eles enxergam o Brasil com boas condições, mas não imune à crise. Enxergam como um país que vai sofrer um pouco, mas não tanto porque a questão do fundamento da economia brasileira é bem vista. Em julho do ano passado, quando fizemos o road-show, a qualidade dos fundamentos da economia brasileira já era uma questão dada, dificilmente tínhamos que tratar desse assunto. Não vi ninguém achando que vai haver um desastre. Se dá um desconto pelo risco de ser um País emergente, mas ninguém enxerga desastre.
Fonte: Sindbancários com Jornal do Comércio