Junto com negros e mulatos, as mulheres estão entre os segmentos mais afetados pela crise financeira mundial. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na média de 2008, as mulheres representaram 58,1% do total de desempregados. Em dezembro, quando a crise já estava em curso, esse percentual ficou em 58,4%. Em 2003, por exemplo, as mulheres eram 54,6% das pessoas sem postos de trabalho.
Para evitar que não apenas as mulheres, mas que todos os trabalhadores paguem um preço ainda maior pela crise, entidades feministas, sindicais e movimentos sociais escolheram o tema como o principal pilar das lutas do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Com o mote "Nós não vamos pagar por esta crise! Mulheres livres! Povos soberanos!", militantes de 40 organizações sairão às ruas no próximo domingo (08), em São Paulo, para protestar contra o modelo capitalista e exigir igualdade de direitos, liberdade e autonomia.
Mais desigualdade
A jornalista Maira Kubik Mano, integrante da Secretaria de Mulheres do Psol/SP, aponta que, historicamente, no capitalismo, as mulheres estão ligadas a condições de trabalho precarizadas, que se refletem em jornadas longas, salários mais baixos e escassos direitos adquiridos. Com a crise, no entanto, a perspectiva é de uma deterioração ainda maior para as trabalhadoras. "Já deveria ter sido mudada essa questão da divisão social do trabalho, e ela se aprofunda com a crise, que atinge primeiro o lado mais frágil da cadeia de produção", analisa.
Nalu Faria, dirigente da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), lembra ainda outra desigualdade relativa à questão de gênero. De acordo com ela, a falta de empregos das mulheres ainda não é encarada com a mesma preocupação que o desemprego dos homens. "Em geral, o desemprego que preocupa as autoridades e os governos é o desemprego masculino. Não se tem a mesma reação com o desemprego das mulheres, que tende inclusive a ser mais invisível", diz.
Além do desemprego e da redução de direitos trabalhistas, a crise gera, para as mulheres, uma sobrecarga de trabalho. De acordo com Maira, o primeiro corte no orçamento doméstico em famílias de classe média e classe média baixa recai em tarefas que a mulher poderia assumir. "Então a mulher volta a tomar conta da casa, volta a tomar conta do filho e fica sobrecarregada em jornadas duplas e triplas de trabalho que já existem mas, muitas vezes, são pioradas, porque elas não terceirizam esse serviço", afirma.
Reforma da previdência
Junto com o apelo por mais investimentos do poder público para o enfrentamento da crise e melhoria das condições de vida dos trabalhadores, a jornada de 8 de Março também repudia a reforma tributária proposta pelo governo federal. Se aprovada, a mudança resultará num corte de 40% do orçamento da seguridade social, causando a perda de 24 bilhões de reais ao ano no orçamento da previdência.
Os prejuízos da reforma, para a representante do Psol, devem recair especialmente sobre as mulheres, que representam 30 dos 40 milhões de brasileiros que são excluídos da previdência. "Isso, com certeza, é uma questão que vai incidir, diretamente, sobre o direito das mulheres porque quando o Estado deixa de garantir direitos sociais como saúde e previdência social, isso acaba se refletindo na divisão sexual do trabalho", avalia.
Aborto legal e seguro
Outra bandeira defendida pelas organizações neste ano é a legalização do aborto, compromisso já assumido pelo governo brasileiro em diversas conferências internacionais. Para a secretária-executiva da Jornada pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, Dulce Xavier, a legalização é um passo fundamental para a democratização da sociedade. "Como um país que lutou pela democracia, precisamos garantir a autonomia das mulheres como uma questão de democracia. Que autonomia é essa que a gente não tem o direito de tomar a decisão sobre o nosso corpo?", questiona.
A legalização do aborto, segundo Dulce, significaria um avanço na saúde pública, na medida em que garantiria um atendimento digno e a preservação da saúde das mulheres. Além disso, a legalização possibilitaria o planejamento familiar. "É uma forma de passar informações para essas mulheres que estão recorrendo ao aborto para que utilizem métodos anticoncepcionais. Se o aborto for atendido em hospital público, a mulher que vai até o hospital vai entrar em contato com a possibilidade de planejamento familiar", argumenta.
Junto com a legalização da prática, as entidades pretendem denunciar a perseguição sofrida pelas mulheres que fizeram aborto. Para Dulce, um caso bastante emblemático em relação à criminalização das mulheres foi o de uma clínica que realizava abortos em Campo Grande (MS), estourada em 2007 após denúncias do Ministério Pùblico.
Com o fechamento, a polícia apreendeu prontuários e fichas de dez mil pacientes que haviam interrompido a gravidez, materiais que serviram para que 1,5 mil mulheres fossem processadas. Mais de 20 delas, até agora, ja foram julgadas e condenadas a prestar serviços comunitários em creches.
Criminalização
A tendência, na avaliação de Dulce, é de que a criminalização se acentue com a instalação da CPI do Aborto no Congresso Nacional. "Essa CPI já nasce a partir da iniciativa de um grupo que não tem disposição para debater todos os temas que estão envolvidos na questão do aborto, é um grupo que tem uma posição clara de criminalização das mulheres", avalia Dulce, que reforça a necessidade de discutir os riscos e as consequencias do aborto clandestino.
O Dia Internacional de Luta das Mulheres em São Paulo terá início às 10h, na Praça Oswaldo Cruz, de onde seguirá, pela Avenida Paulista, até o Parque do Ibirapuera, onde haverá, em frente ao Monumento das Bandeiras, um ato pela legalização do aborto.
A manifestação das mulheres também será um ato de solidariedade com os povos que enfrentam situações de guerra, como os haitianos e os palestinos, e ainda de apoio a países que lutam pela soberania popular, como Paraguai, Equador e Bolívia.
Fonte: Jornal Brasil de Fato