Há no governo um forte temor em relação a uma eventual disparada das remessas de lucros e dividendos de filiais de multinacionais europeias aos seus países de origem derivada de um aprofundamento da crise econômica no continente.
Os efeitos negativos da crise da dívida na Europa teriam, na avaliação da presidente Dilma Roussef e sua equipe econômica, potencial para alimentar uma eventual "fuga de capitais" em caso de uma piora significativa no cenário econômico desses países, segundo apurou o Valor.
Pressionadas por suas matrizes e pelos governos, cuja situação é considerada delicada, como Espanha, Portugal e Itália, essas filiais brasileiras tenderiam a socorrer seu "caixa central" por meio das remessas.
Esse movimento, classificado como um "efeito colateral" da crise, foi assunto de discussões entre a presidente e seus auxiliares diretos na área econômica antes da decisão do Banco Central de cortar os juros. A preocupação também se estende a empresas de origem americana.
O setor mais "sensível", segundo o governo, seria o de telecomunicação, onde o capital italiano, espanhol e português tem forte peso. Nesses casos, o governo teme, ainda, que a piora na crise europeia prejudique, por exemplo, os investimentos necessários para desenvolver o Programa Nacional de Banda Larga, cuja estimativa prevê a necessidade de R$ 70 bilhões entre 2012 e 2016. Empresas de outros setores, como bancos e automóveis, também poderiam sofrer pressões de matrizes e governos de seus países para elevar as remessas, avalia o Palácio do Planalto.
A avaliação do governo sobre a crise econômica mundial inclui uma significativa redução nas exportações brasileiras, com uma pressão extra sobre a indústria e prejuízos relevantes ao agronegócio em função de uma eventual redução na demanda externa. A China, embora possa ser beneficiada de alguma forma por esse movimento no comércio exterior, detém US$ 1,2 trilhão em títulos da dívida dos Estados Unidos, o que coloca o gigante asiático em situação desconfortável.
A crise da dívida nos países da Europa, segundo avaliação do Palácio do Planalto, é "gravíssima". A situação financeira da Grécia, à beira de um colapso, deve "arrastar" o continente para uma profunda e duradoura crise. Os países em situação de maior fragilidade, como Espanha, Portugal, Irlanda e Itália, devem mergulhar em uma longa recessão.
Além disso, avalia-se internamente que a crise nos EUA é "política" e só deve ser encerrada com as eleições presidenciais, em novembro de 2012. O presidente Barack Obama está fraco, perdeu o controle sobre o Congresso e sofrerá com as restrições políticas e a guerra partidária até o dia da eleição.
No Palácio do Planalto, mesmo após a enxurrada de críticas aos novos rumos da política monetária, a presidente e seus auxiliares diretos argumentam que o Banco Central agiu de forma preventiva ao antecipar alguns efeitos do aprofundamento da crise econômica mundial. O governo, segundo esse entendimento, "aproveitou" o momento de crise aguda para forçar uma queda de juros baseada em um esforço fiscal significativo. Em conversas reservadas, a presidente Dilma Rousseff, o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entenderam que não poderiam repetir erros de avaliação ocorridos durante a crise financeira global de 2008 ao não forçar uma redução mais significativa dos juros à época da quebra do Lehman Brothers. Em postos de comando privilegiados no então governo Luiz Inácio Lula da Silva, avaliam ter perdido, à época, a chance de adotar exatamente a mesma estratégia decidida neste momento. Daí, a defesa radical do movimento do BC e da decisão de "poupar" R$ 10 bilhões em gastos para garantir uma blindagem adequada contra a crise mundial por meio da elevação do superávit primário.
(Fonte: Valor Econômico)